Era setembro quando pisei em Moscou. A recepção da cidade estava longe de ser acolhedora. Logo no aeroporto, dois taxistas fingiam não entender inglês e cuspiam uma dúzia de asneiras em russo – palavras que jamais saberei quais foram. Com a fisionomia fechada e firme, tive de apelar ao “stop” para conseguir um carro. Onde desembarquei? Não faço ideia até hoje. O machista me largou em um hotel sem nome na fachada, mas cujo saguão era infinitamente mais luxuoso do que o do Marriott Moscou, meu verdadeiro destino.
O recepcionista do tal hotel não teve a menor comoção e praticamente me expulsou dali sem me explicar para qual direção ficava o Marriott. Puxando a mala de rodinha pela principal avenida da cidade – diga-se de passagem, que humilha qualquer adulador da Faria Lima -, encontrei um policial que, com muita má vontade, apontou para o alto dos prédios até eu conseguir enxergar lá longe a logomarca do hotel.
A caminhada de 30 minutos rendeu a descoberta das passarelas subterrâneas, o dedo de um maluco apontado na minha cara ao som de sua risada perversa ao deduzir que eu procurava o metrô (não caramba, é o Marriott!) e, por fim, um russo muito gentil que me ajudou a subir a mala pela escada (claro, que, em um primeiro momento, achei que fosse assalto).
Provavelmente, foi esse gesto gentil do desconhecido que fez com que eu abrisse o meu coração novamente para aquela cidade, que sonhava tanto em conhecer. Nunca um “thank you” foi tão sincero.
Como a vida lá é escrita em cirílico, nunca conseguirei traduzir em palavras exatamente o que foi essa viagem. Entre as passagens mais marcantes ficou o vaivém de buquês. Talvez tenha sido alguma data especial ou alguma tradição local, mas tornava o passeio curiosamente diferente. Era bem alegre ver tantas pessoas segurando flores coloridas, formando um belo contraste com os sóbrios prédios de tons terracota.
Embora machistas, passei a acreditar que os russos eram extremamente apaixonados. Ah, e supersticiosos. A começar por seus políticos. Para validar essa teoria, é preciso percorrer o mundo subterrâneo de sua capital, cortada por túneis de metrô tão profundos que chegaram a servir de abrigo na II Guerra Mundial.
A estação mais interessante é a Revolutsii Station. Uma de suas alas exibe 76 estátuas de bronze, que representam cidadãos e personalidades russas. Stalin queria tirá-las quando assumiu o comando do país, sob o argumento de que nenhum herói poderia ficar acima dele. Só que lá estão elas. Diz a lenda que, quando o ditador viu as estátuas, desistiu do argumento. Para se ter ideia, durante a Segunda Guerra, as intocáveis estátuas foram levadas até os Montes Urais para estarem protegidas.
As histórias não param por aí, não! Quer ter sorte? Passe a mão no focinho do cão do soldado de bronze. A fuça da estátua está até desgastado de tanta mão que passa por ela a cada segundo. Já para aqueles que almejam sorte no amor, a dica é passar a mão no pé da estátua da estudante que carrega um livro. Se você reparar bem, o pé dessa está inteirinho. Talvez os russos sejam bem resolvidos com amores. Vai saber… Bom, na minha análise de pessoas e estátuas russas, as flores ganharam.
*Texto publicado originalmente em 2012





