“Estava Narizinho no seu galho, distraída em pensar na surpresa que teria o príncipe Escamado se recebesse uma jabuticaba de presente, quando levou à boca uma das tais furadinhas, com meia vespa dentro. Dessa vez em lugar do tloc do costume o que soou foi um berro.”
Monteiro Lobato, Reinações de Narizinho
Não à toa a jabuticaba tem um capítulo só dela na obra de Monteiro Lobato. A jabuticabeira é lembrança de infância feliz. Para começar porque é uma árvore que tem os frutos no tronco — quando era criança achava isso espetacular. Depois, porque é o melhor lugar para brincar de esconde-esconde. Como é uma árvore de folhagem bem fechada, apesar das folhas pequenas, é fácil se camuflar. Melhor ainda é, enquanto ninguém te acha, ficar estourando na boca a doce fruta suculenta. E, quando acham, a brincadeira acaba, porque todo mundo se esquece do que estava fazendo e passa a procurar a jabuticaba mais gordinha do pé (outro grande desafio).
Como a Narizinho de Monteiro Lobato, sempre tive medo de morder uma vespa. No meu caso, nunca mordi, mas corro o risco até hoje. Passo horas sob o pé que tem na chácara e, quando canso de comer, colho o máximo que consigo para fazer geleia ou comer depois. Claro, sempre respeitando a cota para vespas e passarinhos. E tem que ter pressa mesmo, porque ela dá entre setembro e janeiro e fica só 15 dias grudadinha nos galhos.
Jabuticaba me lembra as férias escolares de verão, época quando passava semanas no interior. Outras frutinhas bem gostosas disputavam a atenção da jabuticabeira, como a grumixama, que mistura o doce com um fundinho amargo bem bom, a pitanga (que comia de olho fechado para não ver os “microbigatos”) e o jambo — esse aí eu pegava lá em cima. Subia na árvore e me sentava no galho mais alto. Eu tinha um cachorro vira-lata, o Boris, que sempre ficava me esperando na sombra da árvore. Era o meu Marquês de Rabicó…
Esse aí gostava de abacate. Ele puxava dos galhos baixos o fruto já bem maduro. Levava até mim e se sentava ao meu lado. Eu abria o abacate, raspava com os dedos a polpa e esticava a mão. Ele lambia tudo, feliz da vida. Cenas simples interioranas de sabor inesquecível.
*Esse texto foi publicado originalmente em 2013

