[Brasil] O Deserto do Jalapão

Terminei de ler “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, por esses dias e entre tantas reflexões sobre o Brasil que esse livro desperta, fui acometida por uma saudade profunda do que é simples. Do que é da terra, do que nos une. Do que é viver em harmonia com rio, mato, cachoeira, montanha, aranhas, cobras, escorpiões e onças. Do que é humano. E essa saudade me levou para bem longe, no tempo e no espaço. Fui parar no Deserto do Jalapão, em uma viagem que fiz em 2007 na companhia de meu irmão mais novo.

Gostaria de ter a genialidade do escritor baiano para descrever o que é esse lugar e como é viver bem longe de uma cidade, sem celular, sem notícias, sem soro para picada de cobra e sem compromisso na agenda. Desconectada de uma vida pautada pelo ritmo das redes sociais digitais. Ressalto que me refiro a uma viagem que fiz em 2007, quando Facebook ainda era algo recente (foi lançado em 2004) e o primeiro iPhone só chegaria às lojas da Apple, nos Estados Unidos, em novembro daquele ano.

O Jalapão ocupa uma área de 34 mil km² e abrange os municípios de Mateiros, Novo Acordo, Ponte Alta do Tocantins e São Félix do Tocantins. O acesso é feito com veículos de tração nas quatro rodas, que normalmente partem de Palmas. Por isso, preferimos passar uma noite na capital antes de partirmos.

Amanhecia quando o ônibus 4X4 parou na frente da pousada (não me perguntem que veículo é esse). Outros viajantes já estavam a bordo. Coloquei a mochila nas costas e despedi-me da foto da cantora Sarajane, pregada com tachinhas no alto do quadro de cortiça que ostentava na parede fotografias de todos os famosos que ali estiveram. Sabe quem é Sarajane? Pois bem, ela foi a responsável pela popularização do ritmo baiano “Axé”, ou seja, Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Chiclete com Banana só são o que são graças a ela.

Então, ao som de axé, mergulhamos na paisagem do Jalapão, que marca a transição entre o cerrado e a caatinga, de vegetação baixa, rios de águas cristalinas, corredeiras, cachoeiras, grandes chapadas coloridas e dunas de areia alaranjada pelo seu minério de ferro. A voz de Sarajane, aos poucos, calou-se, abrindo espaço para os sons dos bichos, das águas, do vento e da terra.

O acampamento era rústico, mas bem-organizado. Tinha cozinha, sanitário ecológico e chuveiro a céu aberto, mas com água quente – um sistema de caldeira a lenha garantia o conforto do banho, contado no relógio para evitar o desperdício de água. As refeições eram preparadas por um cozinheiro oriundo de Santos, que largara a cidade praiana para aventurar-se nos sabores daquele sertão.    

Rotina simples, que despertava antes do sol. Organizávamos a barraca, tomávamos café da manhã no barracão de madeira, o mesmo onde fazíamos todas as refeições. Eram esses preciosos momentos à mesa quando todos ali acampados dividiam histórias, vivências, risadas e garfadas no bolo de coco. Todas inesquecíveis.

Na sequência, partíamos para trilhas por chapadas, cachoeiras, dunas laranjas e nascentes de rio, os famosos “fervedouros”, que nos fazem flutuar sem esforço. Também fazia parte dessa rotina pegadas de onça e de preguiça no meio do caminho, banho de rio, pôr do sol chapado no horizonte e brilhantes estrelas competindo com as chamas da fogueira, acesa logo após o jantar. Após o bate-papo ao redor do fogo, era a hora de voltar para a barraca e deixar-se hipnotizar pelos sons de folhas e bichos.

“Por que sempre queremos as coisas que parecem estar mais distantes de nós?”, questiona Itamar Vieira Junior em seu livro. É o que sinto hoje ao recordar-me da simplicidade do Jalapão. Assim como na fictícia Fazenda Água Negra, de Torto Arado, lá “o vento não sopra, ele é a própria viração”.  

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