O comércio chinês é inexplicavelmente sedutor, a começar pelos personagens, como o Batman, que sinalizam o caminho das ofertas. Por mais que você mentalize o mantra “não vou comprar nada falsificado porque é imoral”, outras figuras icônicas são as chinesinhas simpáticas que te abordam em espanhol oferecendo bolsas. Elas realmente te convencem que vale a pena “dar só uma olhada”.
As pescadoras de clientes surgem do nada nos bulevares de Xangai e te abordam com um folhetinho que você mal consegue ler, tamanha a pressa delas em te arrastar por vielas estreitas, sombrias e com cheiro de óleo de gergelim (chinês adora uma friturinha e esse cheiro fica suspenso no ar por toda parte). E você, refém da curiosidade, segue a criatura sem pensar no risco de virar vítima de uma quadrilha internacional de tráfego de órgãos (ué, vai saber, é uma possibilidade em qualquer lugar do mundo).
Diante de tanta coisa “lado B”, você torce o nariz e diz não. E o não é uma palavra mágica na China. Em milésimos de segundo, o que custava 700 “dinheirinhos” vira 30. O não permanece. Aí é que a lojista saca que você tem bom gosto e tenta te seduzir com a oferta de uma réplica nível “A” – o que no dialeto da muamba significa cópia perfeita ou carga original desviada.
Em um piscar de olhos, ela abre, LITERALMENTE, a porta de uma passagem secreta, girando uma estante falsa decorada com bolsas fajutas. Medo de entrar naquela sala escondida da Interpol? Claro que dá! Só que a safada da curiosidade faz você voar para dentro do submundo, instigando um desejo de consumo que você nunca imaginou que teria.
Trancada na salinha moqueada, um paraíso de Fendi, Chanel, Louis Vuitton, Coach e por aí vai abriu-se diante os meus olhos. Foi quando passei por ela e uma luz de lâmpada dicroica desceu do teto e nos iluminou. Era ela. A Miu Miu dos meus sonhos – e que eu jamais teria uma original porque uma unidade dessa bolsa custa ao redor de R$ 17 mil, algo que consegue ser ainda mais imoral do que a sua versão falsificada.
Voltando à magia da bolsa naquele beco chinês, ao ouvir o dobrar dos sinos, estiquei lentamente o braço até tocá-la. Saio do frenesi quando ouço da chinesinha:
– Two, two, zero, zero.
– Noooooooooooo!
– One, seven, zero, zero.
E assim começa uma negociação de dígitos socados no botão da calculadora da mulher. Pechinchar é uma arte na China. Cheguei a um valor correspondente a R$ 200. Fui inocente, poderia ter levado por R$ 100 e já era muito. Mas tudo bem, faz parte pagar “taxa trouxa” quando se é turista.
Como qualquer paixão ordinária, naturalmente oriunda de uma carência impulsiva, essa aqui entre mim e a falsa bolsa da Miu Miu não passou de duas semanas. Estava eu, no metrô de São Paulo, já de volta à minha rotina, quando escuto o tilintar do metal batendo sobre o chão do vagão. Olho de canto de olho, sem querer acreditar.
Um velhinho, com toda a cordialidade aprendida ao longo da vida, agacha, pega a plaquinha de metal e me entrega em mãos. Agradeço o senhor retribuindo o gentil gesto, mas desdenho o objeto como um caco de vaso quebrado. Jogo o “Miu Miu” metálico dentro da bolsa falsa e me despeço dessa história de paixão e passagens secretas.
*Texto publicado originalmente em 2013




