[França] As janelas indiscretas de Saint-Tropez

Adoro uma janela e as cenas cotidianas que elas revelam indiscretamente quando estão abertas ou sem o filtro social da cortina. Em São Paulo, por exemplo, meus olhos ficam hipnotizados pela poesia discreta de cada fenestra exposta nas paredes dos prédios que emolduram o Elevado Costa e Silva, famigerado “Minhocão”. Tantas vidas, tantas histórias reveladas entre o anda-e-para do trânsito. Conhecer Saint-Tropez me conectou da mesma forma com as janelas, embora fossem outras e em outro ritmo.

Tive a oportunidade de conhecer relances da vida daquelas pessoas, como se eu andasse em câmera lenta, de janela em janela, na captura de registros minuciosos da vida de alguém que não faço ideia de quem seja e que, provavelmente, de quem esquecerei o rosto nos minutos seguintes.

Saint-Tropez tem pouco mais de 5 mil habitantes e é famosa pelas praias, iates e vida noturna. Porém, passei pela cidade para conhecer o bairro La Ponche, que remetem ao tempo de quando tudo se resumia a uma vila de pescadores e lindas paisagens. Fincadas em ruas estreitas pavimentadas por pedras na encosta montanhosa, as casinhas do bairro têm janelas e portas acessíveis a qualquer um que passe, tornando todos parte da mesma paisagem.

Ao caminhar pelo bairro, que por gerações inspiram os mais diversos artistas, você sente paz ao observar senhoras conversando de janela a janela ou ao ser envolvido pelo aroma do bolo da tarde, degustado por uma família reunida ao redor da mesa de madeira ao centro da sala. A simplicidade da vida está ali, bem na sua frente.

De uma maneira aconchegante, a bucólica paisagem de uma vida sem internet, sem carro, sem agenda apertada e sem pressa te abraça. Torpor melhor do que vinho, infelizmente interrompido pela guia que, àquela altura, já nos apressava para não perdermos a partida do navio: “Allons-y! Allons-y!”

Em um adeus singelo, Saint-Tropez desviou o meu olhar para uma de suas esquinas. Nela, bem ne minha direção, havia uma última janela a ser registrada, a vitrine de uma padaria que exibia de ponta a ponta a bandeira do Brasil. “À la prochaine”, respondi. Até a próxima.

*Texto publicado originalmente em 2012

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