(Brasil) O amor de Horácio

Horácio é o nome de um dos garçons do bar e restaurante Partido Alto, em Vitória (ES).  Foi dele que eu ouvi uma das histórias mais bonitas, ainda que realista, sobre o amor. Ao erguer o braço, inocentemente para pedir o já conhecido e maravilhoso pudim de leite da casa, o simpático garçom se juntou à lista de personagens que já passaram pela minha vida:

– Oi, hoje vocês têm aquele pudim de leite?
– Ahhh, era você que veio aqui ontem à noite e não tinha, né?
– Eu mesma! E não desisti não…
– É pra já, mas antes vou te contar uma história de pudim.

E Horácio começa a saborear lembranças sobre sua amada, a mulher com quem viveu por 35 anos.

– Nunca fui de doce, mas o pudim dela era o melhor do mundo. Minha filha tinha 19 anos quando ela faleceu. Faz sete. E minha menina não sabia esquentar nem água. Hoje, quando almoço na casa dela, começo pela sobremesa: o pudim é igualzinho ao da mãe.

Horácio sorri docemente ao lembrar do gosto do pudim:

– Mas, olha, vocês conseguem imaginar o quanto eu sofri? Foram 35 anos felizes de casado. As pessoas me perguntam até hoje qual é o segredo.
– E qual é, seu Horácio?
– Nunca ter rotina, porque ela acaba com qualquer relacionamento. Nem que seja preciso mentir. Ela até sabia quando eu inventava alguma historinha, mas nem reclamava. Ela nunca teve um dia igual ao outro.
– Sábio.
– Só que não foi só o gosto do pudim não que ela deixou. E isso minha filha faz. Difícil era ir até a cama e sentir o cheiro do cabelo dela no travesseiro. Sabe aquelas coisas de casal, de dormir entrelaçado? Eu procurava, procurava e não achava as pernas dela. Pra falar a verdade, procuro até hoje. Aqui está o seu pudim.

E o querido garçom limpou a mesa com um já amassado guardanapo de papel, ajeitou a cadeira e me deixou o doce. A cada colherada, a calda escorria entre a língua e os dentes, em devaneio profundo sobre amor, mentiras e pernas.

* Texto publicado originalmente em 2013


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