Planejar uma viagem com amigos tendo como destino a Rússia tinha um gostinho de aventura, em 2012. Na época, os destaques nos jornais estavam aparentemente longe das disputas territoriais (veja bem, a invasão da Crimeia só foi acontecer em 2014). Então, o que se lia nas manchetes da época eram notícias do tipo “Diretor do Bolshoi é atacado com ácido no rosto”, “Putin ‘assusta’ criança durante evento da Igreja Ortodoxa”, “Banda Pussy Riot é sentenciada a dois anos de prisão por vandalismo após protesto” e “No frio de -23°C, escola dá banho gelado em crianças”.
Para quem nasceu em meio à Guerra Fria, esses fatos só reforçavam a curiosidade sobre o destino pouco comum, naquela época, para brasileiros. E sob o clima imposto por Hollywood de “cuidado, a KGB está de olho”, você começa a reparar que Moscou tem certo charme em suas peculiaridades.
Entre elas, está o afago do hino nacional que ecoa dos megafones da estação Leningradsky cada vez que um trem chega — ou seja, a cada 15 minutos. Confesso que, ao ouvir o hino russo ao esperar o trem que partiria de Moscou para São Petersburgo, achei que viajara no tempo e estava prestes a testemunhar uma cena de filme, tipo a prisão de um espião.
Outra história, digamos, ínsita russa é a da construção das torres de Stalin. Aliás, enquanto eu ouvia o hino na estação, observava uma delas. Chamadas de “As Sete Irmãs”, na verdade, são prédios com mais de 100 metros, desenhados para que intimidassem as pessoas. A ideia era a de que, ao caminhar pela cidade, você se sentisse observado pelo Estado – ou melhor, por Stalin. Sabe aquele olho do Senhor dos Anéis, o que tudo vê? Mais ou menos isso. Embora essas edificações abriguem instituições públicas, realmente impressionam quando você passa a entender o motivo de estarem ali.
E por falar em Stalin, por onde anda Lenin? Na Praça Vermelha, claro, dentro de um mausoléu, onde seu corpo está embalsamado. Lá, literalmente, é possível ver o primeiro líder soviético em conserva. A não ser que você faça como eu, e visite a Rússia exatamente quando ele está em manutenção – sim, o período a cada um ano e meio quando Lenin faz a unha e o bigode (eles crescem eternamente). Em tempo, embora o mausoléu fique fechado nesses períodos, Lenin jamais deixa de receber a visita de senhoras aos prantos pela sua partida.
Então, você sai da Praça Vermelha à procura de mais uma peculiaridade e dá de cara com um paredão de lojas de fast food norte-americanas, instaladas em frente ao símbolo soviético – russos adoram uma gordura yankee! Pois é, esse paredão formado por McDonald’s, Burguer King, KFC, Duckin’Donuts, Wendy’s, entre outras, é um tapa de bacon na cara dos líderes comunistas ao estilo “yes, we can and we are right here”. Ah, se Stalin realmente visse isso do alto de suas torres…
*Texto publicado originalmente em 2012




