(França) Paris de lembranças

Se Paris desperta paixões? Talvez. O fato é que a cidade tem um ar propício para evocar lembranças. Talvez seja a arquitetura da cidade, talvez o sabor do macaron. Por isso, a gente sempre acaba trombando com algum apaixonado pelo Louvre ou com alguém pronto para contar histórias nostálgicas de tremer a voz. Caminhando pelo bairro Montparnasse com três amigos, à procura do restaurante La Coupole (um clássico), o papo jogado fora pelas ruas fez-me lembrar de uma senhora que conheci na primeira vez que estive na cidade. E essa era a lembrança que me acompanhou naquela noite.

Sentada em um dos portões do aeroporto Charles de Gaulle, assim como eu, à espera do voo para o Brasil, ela guardava em sua bolsa uma história que incrivelmente se cruzava com a minha. Quem puxou papo comigo foi a tal da senhora, com nome de flor. Conversa vai, conversa vem, descobrimos que éramos da mesma cidade, São Caetano do Sul. Mais um pouco de papo e chegamos ao meu pai. Eles se conheciam da vizinhança. “Não acredito que você é a filha do Sergio! Que coincidência boa!”, disse com um largo sorriso destacando o batom rosa claro.

Feliz por ter resgatado antigas lembranças, teceu elogios ao meu pai, perguntou sobre a minha mãe e levamos mais um tempo conversando sobre nossas famílias e vida. Já era viúva. Ao embarcar, nos despedimos e ela mandou lembranças ao amigo de quando tinha vinte e poucos anos.

Ao entregar a mensagem a meu pai, assim que o encontrei na área de desembarque do aeroporto de Guarulhos, já mandei a pergunta: era sua namorada? A resposta delicada dele foi “não”. Eles, sim, eram muito amigos. Aquela amizade antiga de bairro, de percorrer anos. Até que um belo dia meu pai anunciou à amiga que partiria para os Estados Unidos, onde moraria por dois anos. A vida de cada um seguiu. Ela se casou, teve filhos. Meu pai, quando voltou dos Estados Unidos, reencontrou uma prima de segunda grau, a minha mãe por sinal, e se casaram. Estão juntos até hoje.

Ao comentar com os meus amigos, sobre encontros e desencontros da vida, imaginei-me no lugar da senhora com nome de flor. Passo por tantos aeroportos, tantas cidades, ruelas e cadeiras. Quem sabe um dia, nessas curiosidades do tempo, reencontrarei filho ou filha de algum desencontro? 

No fim desta história, a senhora do nome de flor acabou desembarcando mais ou menos ao mesmo tempo que eu e, ao cruzar as portas automáticas depois da alfândega, deu de cara com o meu pai. Mais uma vez, Paris e suas lembranças.

*Texto publicado originalmente em 2012

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