Sabe aquela expressão “o que acontece em Vegas fica em Vegas”? Então… De fato, a cidade foi concebida para ser a meca da presepada, seja pela sua vida noturna agitada, seja por jogatinas, casamentos de verdade que parecem de mentira, contraventores e tudo mais que você considere imoral ou somente vexatório.
A minha história em Vegas, no caso, deveria ter ficado em Vegas, mas é tão tosca que não consigo guardar só para mim. Tem um quê de contravenção? Tem, não vou negar. Porém no grau mais mirim da categoria “não foi culpa minha”.
Só para contextualizar, Vegas é uma cidade machista por concepção e, provavelmente, por isso seja tão cafona. Em suma, a cidade fez fama ao oferecer jogatina e libertinagem a um povo tradicionalmente reprimido em sua hipocrisia. Porém, esse turismo criado pela máfia e pelo cinema (que também tem máfia) evoluiu justamente para abocanhar o consumo das adeptas ao “american way of life” – e não estou falando da tia Audrey sentada o dia inteiro diante de uma máquina caça-níquel.
Hotéis fabulosos, shows inesquecíveis, alta gastronomia e shoppings conectados aos cassinos tentam convencer você de que consumir a qualquer preço é a melhor coisa a fazer na sua vida.
No meu caso, foram um ingresso para um show feito dentro de uma piscina apoteótica montada no teatro do hotel Wynn, um ingresso para a homenagem do Cirque de Soleil aos Beatles, duas porções de sashimi de kobe beef e uma visita despretensiosa ao shopping cujo teto tem pintura que imita o céu e garante uma sensação bem estranha durante as compras (foi onde tudo aconteceu).
Flutuando nas nuvens cenográficas, decidi entrar na loja da MAC (a das maquiagens). O lugar estava uma bagunça, abarrotado de gente com mais de uma sacola nas mãos. Era difícil achar ar para respirar, imagina um lápis para olhos na cor verde água.
Sem conseguir alguém que me ajudasse, desisti da compra e tracei minha rota de saída pelo canto direito, considerando um passo de distância dos produtos expostos. Foi quando, matematicamente, uma cliente desgovernada me empurra e derrapo ao encontro da prateleira, fazendo chover maquiagem daquele céu.
Desnorteada pelo caos, saio em direção à loja de relógios, onde consigo, finalmente, respirar e comprar um item verde água. Acabo por encontrar um amigo, que também abduzido pelo consumo, exibe seu novo relógio. Naturalmente, mostro o meu e, ao guardá-lo em uma das sacolas maiores que ostentava no braço, eis que avisto três caixinhas soltas, despretensiosas. TRÊS CAIXINHAS DE SOMBRA DA MAC. No meio daquela confusão, elas foram parar bem ali, sem o menor pudor. Apavorada, divido a constatação do crime com meu amigo:
— Você não vai acreditar, três sombras da MAC caíram dentro da minha sacola enquanto tentava sobreviver ao empurra-empurra de gente naquela loja… Saí com elas sem perceber! Tipo, não paguei!! Eu sou uma brasileira na América, vou ser presa!!!
— Relaaaxa… Pega nada não, ninguém viu.
— Mas eu vi! Ok, via agora…, mas vi! Não, não está certo… Vou voltar lá e devolver.
— Ah, claro, todo mundo vai acreditar na história de uma brasileira que esbarrou na prateleira de sombras ao ser empurrada e, por uma obra do acaso, três caixinhas caíram dentro da sacola de roupas que ela carregava. Ah, e ela só percebeu após a compra de um relógio.
— É… Realmente, se não envolve jogo, bebida e um casamento errado vai ser muito difícil acreditarem em acaso. Acho que até eu me prenderia por um crime tão idiota. Vou fingir para mim que caiu do céu de mentira. Só faça um favor? Não conte pra ninguém que esse foi o meu pecado em Vegas? Ô história zero emoção, zero glamour, zero tigres e zero Mike Tyson.
— Relaaaxa… O que acontece em Vegas fica em Vegas.
*Texto publicado originalmente em 2013


