(Turquia) Fuga sem tapetes voadores

Kusadasi, na Turquia, é aquela típica cidade portuária que recebe muito turista de cruzeiro. Então, basta colocar os pés em terra firme para um mundo de tapetes, artesanato e comidas típicas se abrir diante dos olhos. A mistura de mel com objetos das Mil e Uma Noites ilude a maioria dos viajantes, mas jamais um Dal Poggetto, como diria meu pai. O resultado dessa combinação de comércio turco com a minha família só poderia dar em uma história, no mínimo, interessante.

Ela começa em uma loja de tapetes. Aliás, se a sua história em Kusadasi não começar em uma loja de tapetes, alguma coisa está errada. Pois bem, o nosso passeio começou o mais típico possível, com o guia escalado pela companhia de cruzeiros nos conduzindo até “um lugar de confiança” onde se podia conhecer os icônicos tapetes turcos. Eu realmente queria ver tais obras de arte em sua origem.

O valor é elevado, é. Porém, justificável — são fios de seda trabalhados em tear manual de acordo com uma tradição preservada há milênios. Difícil é achar os autênticos, mas estes eram mesmo “de confiança”. Para identificá-los, a lição básica de número um é: o avesso é tão bem-acabado quanto a parte da frente. Lição dois, os tapetes turcos se diferem dos persas pelo tipo de nó. Enquanto o tradicional tapete turco é amarrado com um nó duplo simétrico, o tradicional persa é amarrado com um único nó assimétrico. Lição três, hoje em dia, tanto na Turquia quanto no Irã você encontra tapetes com os dois tipos de nós, então, para saber quem é quem, dobre o tapete horizontalmente e confira a base do nó.

Ok, aprendi tudo isso lá, porque, no fim, o que me chamou a atenção mesmo não foram os tapetes, mas sim a maneira como eles são vendidos. Um ritual que já vale o passeio, mesmo para quem não tem sequer um tostão para comprar uma amostra 50X50 de apoio de abajur. 

Ao entrar na loja, os turistas são levados a uma grande sala. As cadeiras ficam lado a lado, encostadas na parede. Todos se sentam e, em seguida, recebem lindos copos com chá de maçã, servidos em uma delicada bandeja de prata. Basta dar o primeiro gole da saborosa bebida quente, um homem de cerca de 40 anos entra na sala e desenrola a primeira peça. Os olhos de todos brilham sedosamente com tantas cores e desenhos. Acompanhados dos goles, mais tapetes são desenrolados no meio da sala e inúmeras explicações sobre técnicas e tradições.

Se no chá tivesse qualquer “aditivo” alcoólico, sem dúvida, teria me esquecido da desvantagem cambial e da minha falta de capital de giro. Acabaria comprando uns três. Porém, no caso, a loja era “de confiança”, o chá era só chá e o meu pai era meu vizinho de cadeira. Conclusão, saí sem nada mesmo, com os pés bem no chão.

Com aquele sentimento de Yasmin sem tapete voador, gênio ou Aladim, saí empenhada em achar algo que me lembrasse da Turquia sem comprometer meus salários dos próximos 12 meses. Rendi-me às lojinhas do porto em busca de luminárias de vidro e caixas com marchetaria. Após pagar o vendedor, ele lança a frase que muda toda a história deste passeio:

– Vou levá-los à loja de joias do meu primo, é “de confiança”. Lá vocês podem comprar as “verdadeiras” Zultanites por bom preço.

A zultanite é uma pedra preciosa de tonalidade que muda entre verde e framboesa só é encontrada na região de Anatólia, na Turquia. É rara e existe apenas uma jazida. Nós já tínhamos visto exemplares autênticos em uma joalheria especializada próxima ao mercado. Em 2012, um colar com essas gemas lapidadas não sairia por menos de 30 mil euros. Obviamente, não aceitamos a sugestão, mas fomos “elegantemente acuados”.

Empurrados para dentro da loja, o primo picareta lançou um colar feio de chorar e o valor de 10 mil euros escrito em um pedaço de papel roto. Com a primeira negativa de compra, ele vai para 7 mil euros e mais um par de brincos. Segunda negativa, e ele baixa para 5 mil euros e traz uma xícara de café. Não damos nem um gole e o valor cai para 2 mil euros. Outro aceno negativo de cabeça e o vendedor já começa a ser agressivo. Aumenta consideravelmente os decibéis de seu discurso e empurra o colar por 1 mil euros.

Olho para meu pai nada discretamente, buscando uma autorização telepática para sair correndo. Agradecemos, ainda com elegância, e escapamos da loja, arrastando a minha mãe que ainda não tinha sacado a armadilha. Literalmente, fugimos e, mais literalmente ainda, fomos perseguidos pelo mercado de artesanato pelos “primos”, que trombavam com a gente a cada esquina.

A intimidação despertou nosso instinto de sobrevivência e o grande enigma de quais daquelas lojas não pertenceriam a outros “primos” dos “primos”. Sabiamente, pedimos abrigo a um vendedor de doces. E doce na Turquia é doce turco. Em outras palavras, mergulhamos em mel, nozes e pistaches envoltos de massa. Nada como rechear a bolsa com tamanha riqueza do Oriente!

Assim, de volta ao conforto e à segurança do navio, terminamos o dia admirando um lindo pôr do sol em céu de chuva, ao som das nossas risadas ao lembrarmos da aventura entre tapetes de seda, joias, olhos turcos (os de enfeite e os de verdade) e chá de maçã.  

*Texto publicado originalmente em 2012

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